Integridade e Compliance nas Contratações Públicas: Avanços e Desafios
- Marilia Pires
- 29 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de jul.

Integridade e Compliance nas Contratações Públicas: avanços e desafios
A agenda da integridade ganhou protagonismo nas contratações públicas brasileiras nos últimos anos. A partir de marcos normativos como a Lei Anticorrupção (12.846/13), a Lei das Estatais (13.303/16) e, mais recentemente, a Lei nº 14.133/21 — nova Lei de Licitações —, o conceito de compliance deixou de ser apenas uma “boa prática” para se tornar um instrumento normativo e estratégico da Administração Pública.
Hoje, falar de contratações públicas exige discutir integridade, prevenção de riscos e responsabilidade compartilhada entre entes públicos e agentes privados.
1. O que é compliance nas contratações públicas?
Embora o conceito de compliance tenha se originado no setor privado, seu desenvolvimento e consolidação no âmbito público têm ganhado crescente relevância, especialmente no contexto das contratações públicas. Tradicionalmente associado à conformidade normativa e à prevenção de riscos empresariais – notadamente após a promulgação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) –, o compliance surgiu como resposta às exigências de integridade corporativa, governança e responsabilidade social empresarial.
A ISO 37.301/2183, ao tratar do sistema de compliance, estabelece que:
“Um sistema de gestão de compliance eficaz em toda a organização permite que uma organização demonstre seu comprometimento em cumprir leis pertinentes, requisitos regulamentadores, códigos setoriais da indústria e normas organizacionais, assim como normas de boa governança, melhores práticas geralmente aceitas, ética e expectativas da comunidade.”
Com o avanço de mecanismos de controle, transparência e responsabilização no setor público, o conceito foi progressivamente incorporado à administração pública.
No contexto das licitações e contratos administrativos, o compliance assume papel relevante, pois a legislação prevê mecanismos que valorizam a integridade e a boa governança dos contratados. A adoção de programas de integridade, códigos de conduta e controles internos adequados contribui para prevenir irregularidades, reduzir riscos de responsabilização e reforçar a credibilidade da empresa perante a Administração Pública.
Nesse contexto, existe a dimensão bilateral, ou seja, tanto a Administração Pública quanto os particulares que contratam com o Estado devem adotar mecanismos de integridade. De um lado, cabe ao ente público estruturar seus processos com base na legalidade, eficiência e controle preventivo; de outro, espera-se que os licitantes ajam com ética, transparência e conformidade com a legislação, especialmente diante das exigências de integridade previstas em normativas locais ou nos próprios editais, conforme autorizado pela nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).
Vai além do combate à corrupção: trata-se de um modelo de gestão baseado em prevenção, controle e monitoramento contínuo - baseado em princípios de integridade, boa governança, proporcionalidade, transparência, responsabilização e sustentabilidade.
2. O avanço normativo: da recomendação à exigência
A evolução legislativa no Brasil trouxe uma mudança fundamental: a integridade
passou a ser exigida — e não apenas incentivada.
Destaques:
✔️ Lei de Licitações Lei 14.133/21 (art. 25, § 4º): permite que programas de integridade sejam considerados como critério de desempate ou como obrigação contratual, especialmente em contratos de grande vulto.
✔️ Lei das Estatais (Lei n.º 13.303/16): exige avaliação da integridade de contratadas em determinados processos.
✔️ Portaria SEGES/ME n.º 8.678/21: estabelece a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;
✔️ Decretos estaduais e municipais: diversos entes vêm regulamentando a obrigatoriedade de programas de integridade para empresas que contratam com o poder público; assim como regulamentam a integridade no âmbito público, como o Decreto Estadual n.º67.683/2023.
Esse movimento reflete uma tendência global de governança pública baseada em princípios ESG (ambientais, sociais e de governança).
3. Principais desafios para o setor público e privado
Apesar dos avanços, ainda há obstáculos relevantes para consolidar uma cultura de integridade nas contratações públicas:
a) Falta de estrutura nos pequenos municípios
Muitos órgãos contratantes ainda não possuem unidades de controle interno robustas nem equipes capacitadas para fiscalizar e exigir programas de compliance das empresas contratadas.
b) Implementação superficial por parte das empresas
Há casos em que programas de integridade são criados apenas para cumprimento formal de edital, sem a efetiva incorporação de práticas e controles internos — o chamado “compliance de fachada”.
c) Ausência de cultura institucional
Tanto no setor público quanto no privado, ainda há resistência cultural à transparência ativa, ao mapeamento de riscos e ao registro de irregularidades. Em muitos órgãos públicos e empresas, ainda persiste uma visão formalista ou reativa do compliance, limitada ao cumprimento burocrático de normas. A ausência de uma cultura institucional voltada à prevenção, à ética e à responsabilização dificulta a efetiva internalização de boas práticas.
d) Falta de capacitação e estrutura institucional:
A implementação de programas de integridade exige servidores capacitados, áreas técnicas estruturadas e recursos contínuos. Muitos entes públicos – especialmente nos níveis municipal e estadual – carecem de equipes especializadas em gestão de riscos, auditoria e controle interno.
e) Risco de “compliance de fachada”
A formalização de códigos de ética e canais de denúncia, sem efetiva aplicação prática ou compromisso institucional, pode gerar a falsa impressão de conformidade, mascarando estruturas ineficientes ou permissivas com condutas irregulares.
4. Como estruturar a integridade contratual na prática?
A construção de relações contratuais mais íntegras depende de ações coordenadas entre contratante e contratado, com foco em:
Cláusulas específicas de integridade e responsabilização, prevendo obrigações claras quanto à conduta ética, mecanismos de compliance e penalidades em caso de descumprimento, inclusive com possibilidade de resolução contratual por violação aos princípios da administração pública;
Matriz de riscos bem definida e compartilhada, com a alocação objetiva das responsabilidades entre as partes e estratégias de mitigação, conforme preconiza a Lei nº 14.133/2021, promovendo previsibilidade e confiança mútua;
Canais de denúncia e mecanismos de controle, que viabilizem a apuração de irregularidades de forma segura, com garantia do sigilo e da não retaliação, tanto para servidores quanto para colaboradores das empresas contratadas;
Planos de treinamento e conscientização, voltados à capacitação contínua de gestores, fiscais de contrato e representantes das empresas contratadas, com foco nas normas aplicáveis, condutas esperadas e princípios da integridade pública;
Monitoramento de indicadores ESG e de conformidade, com metas e critérios objetivos relacionados ao desempenho ético, ambiental e social das partes, especialmente em contratos de longo prazo ou com impacto socioambiental relevante.
Conclusão
A integridade contratual não é um elemento acessório: ela é um investimento em segurança jurídica, eficiência e reputação.Tanto contratantes quanto contratados que incorporam cláusulas de integridade, gestão de riscos, controles internos e indicadores ESG não apenas cumprem a lei, mas também constroem relações mais sólidas e sustentáveis.
Nosso escritório atua apoiando empresas e entes públicos na estruturação e revisão de contratos com foco em integridade, alinhando práticas às exigências legais e às melhores referências nacionais e internacionais.
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